August Strindberg
e o Drama Pré-Expressionista

“Um homem só conhece seu próprio ponto de vista.”

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Não é tarefa simples compreender o papel da obra de August Strindberg na dramaturgia ocidental. Aspectos como geografia, processos históricos e políticos, bem como avanços sociais são determinantes para que o dramaturgo sueco figure mundialmente entre os mais significativos das últimas décadas do século XIX e início do XX.

 

A Península Escandinava é, como o termo já diz, uma espécie de apêndice do norte da Europa situada entre o Báltico e o Atlântico Norte, com enorme proximidade de nações como a Alemanha, a Polônia, a Rússia e o Reino Unido. Berço de autores como os noruegueses Björson e Henrik Ibsen, o dinamarquês Hans Christian Andersen e o sueco August Strindberg, a Escandinávia é composta por quatro países que, historicamente, aprenderam a duras penas a dialogar politicamente e alternar o poder em suas monarquias – a Dinamarca, a Suécia, a Finlândia e a Noruega.

 

Em um primeiro momento, essas nações se desenvolveram por meio do comércio lucrativo de produtos primários – como bens agrícolas processados na Dinamarca, madeira e minerais metálicos na Suécia – mas, do fim do século XIX em diante, eles conseguiram se industrializar. Grosso modo, é nesse cenário que, em 1849, nascia em Estocolmo o filho Johan August Strindberg.

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Seu relacionamento com as mulheres é tempestuoso, e suas palavras e ações muitas vezes foram classificadas e até rotuladas como misóginas tanto por seus contemporâneos como por leitores de hoje. No entanto, muitos admitem que ele tinha um conhecimento raro e refinado da hipocrisia e das expectativas de gênero, comportamento sexual e moral de sua sociedade e seu tempo.

 

Assuntos como as instituições do casamento e da família estão em pauta na época do autor, enquanto a Suécia se industrializava e urbanizava muito rapidamente. As questões da prostituição e da moralidade são então fortemente debatidas entre escritores e políticos. Seus primeiros escritos frequentemente tratavam do papel tradicional atribuído aos sexos pela sociedade, que ele caracterizou como injusto tanto para homens quanto para mulheres.

 

O fato é que ele foi casado três vezes, mas seu temperamento hipersensível e por vezes classificado até de neurótico levou cada uma de suas uniões ao divórcio. Casou-se pela primeira vez com a atriz Siri von Essen em 1877, ela mesma já divorciada do Barão Carl Gustaf von Wrangel, com quem teve duas filhas e um filho: Karin (1880), Greta (1881) e Hans (1884). O casal separou-se em 1891. 

 

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Dois anos depois, conheceu a jovem jornalista austríaca (depois tradutora e crítica literária) Frida Uhl, de 20 anos e 23 anos mais jovem que ele, com quem casou poucos meses depois e com quem vivia no Castelo de Dornach (propriedade dos avós da jovem). Ela lhe deu uma filha, Kerstin (1894). O divórcio ocorreu em 1897, devido ao caso extraconjugal que Frida Strindberg teve com o dramaturgo alemão Frank Wedekind (1864-1918), polêmico autor de O Despertar da Primavera. 

 

Strindberg passa, então, por uma grave crise mental. Seu terceiro casamento ocorre em 1901 com a jovem atriz Harriet Bosse (29 anos mais jovem) que ele conhecera meses antes, quando ela interpretou Puck em Sonho de Uma Noite de Verão. 

 

Na contemporaneidade, suas idéias políticas o tornaram muito popular nos países ditos socialistas, na Europa e mesmo na América Latina. Notadamente Strindberg foi admirado pelas classes trabalhadoras de sua época, chegando a flertar com o socialismo e o anarquismo a ponto de sua filha Karin casar-se com o líder bolchevique Vladimir Mikhailovich Smirnov. 

 

No final da década de 1880, ele renunciou ao socialismo e descobriu Nietzche, com quem manteve correspondência até a loucura deste. Strindberg então se afasta do pensamento de Nietzsche e se volta para o misticismo que ele vê como surgindo da síntese das ciências e das artes.

 

Strindberg morreu de câncer em 1912, aos 63 anos.

“Desde minha infância busquei a Deus, mas só encontrei o Diabo.”

Em fins do século XIX, aspectos formais que caracterizavam o gênero dramático herdados desde o Renascimento, passando pelo barroco e pelo romantismo, foram colocados abaixo por dramaturgos como o sueco August Strindberg. Desde cedo, o rapaz precisou trabalhar duro para viver. No primeiro de seus diversos e memoráveis romances autobiográficos, de 1886, chamou a si mesmo de O Filho da Criada. E tinha para isso muitas razões válidas. Como nos aponta John Gassner no volume II de sua consistente obra Mestres do Teatro, a mãe de Strindberg era “realmente uma criada, uma garçonete num bar de Estocolmo.”

Seu pai, um homem de negócios que contraiu essa aliança para grande desgosto da família, só casou com a moça alguns meses antes do nascimento de August – depois que já haviam nascido duas outras crianças. Strindberg foi embalado pela pobreza, e a família, arrasada por numerosos nascimentos e mortes durante todo o tempo em que viveu a criada; em certa época, nos três cômodos da casa apinhavam-se dez pessoas. O lar e a escola causavam igual repugnância ao sensível adolescente que era martirizado por seus irmãos mais velhos e sofria com qualquer espécie de disciplina. Tornou-se anormalmente sensível, desconfiado e irritável – traços que foram exacerbados pela morte da mãe, quando ele contava treze anos, e pelo segundo casamento do pai, apenas um ano mais tarde.

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Aos dezoito anos ingressou na Universidade de Upsala, mas foi incapaz de dar continuidade aos estudos após o primeiro semestre e se viu forçado a lecionar na mesma escola pública que frequentara quando criança. Fizesse o que fizesse, sempre parecia estar preso numa armadilha; e dada sua personalidade orgulhosa e emotiva, era inevitável que se tornasse um ‘selvagem’, um tanto paranoico e perturbado pelo pessimismo.

Estudou medicina, foi inicialmente ator, depois poeta, romancista e dramaturgo, além de artista plástico. Entretanto, sua estabilidade econômica só se dá a partir de seu ingresso na Biblioteca Real em 1874.

Não há a menor dúvida de que o tema das uniões infelizes, como vemos em O Pai, faz parte da obra do autor desde muito cedo. Já na primeira metade dos anos 1880, escreveu uma impactante coletânea de contos sobre o que seria um casamento moderno com o nome de Esposos (ou Casados, como indicam alguns tradutores). Classificada como ultrajante, a obra levou seu editor aos tribunais e fez com que o livro fosse impedido de circular. Apesar disso, o episódio só fez aumentar a popularidade de Strindberg, em especial entre os mais jovens e, tomando o lugar do editor no julgamento, o autor ganhou a causa. Logo em seguida, é publicado um segundo volume de Casados (1886) que se constituiu numa denúncia ainda mais descompromissada do casamento, e com esta publicação Strindberg lançou o fundamento para sua principal contribuição ao teatro.

Ali estavam todos os elementos familiares da dramaturgia strindberguiana: observação ultra-realista, descompostura psicológica e um antifeminismo dirigido contra o culto que encontrara alento e conforto em Casa de Bonecas. A aparição do último desses elementos em suas estórias mostrou-se particularmente importante, posto que, por razões que é melhor deixar para a psicanálise, Strindberg começara a temer as mulheres e à mostrar-se ressentido para com elas. (John Gassner, Mestres do Teatro II)

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Como visto, sua obra é notadamente autobiográfica e já aos trinta anos (1879) dava os primeiros passos de sua vida literária com o sucesso do romance O Salão Vermelho, uma sátira social, cuja ação se desenrola em grande parte num salão frequentado por artistas e escritores, na Estocolmo dos fins do século XIX. A personagem principal é um jovem anti-herói, desiludido com a sociedade da época. 

 

Por esses primeiros anos, Strindberg já convivia com o sucesso retumbante do norueguês Henrik Ibsen, cujas primeiras obras datam de 1850, período de nascimento do sueco. À sombra de Ibsen, ele escreve suas primeiras peças ainda em estilo realista/naturalista e frequentemente comparadas às do dramaturgo norueguês. As principais obras deste período são O Pai (1887) e Senhorita Júlia (1888), ambas causando forte impacto na sociedade da época. Do mesmo modo que Casa de Bonecas (Ibsen) causara em seu tempo. De fato, estudiosos sustentam que O Pai teria sido escrita como resposta ao texto causador de extrema polêmica de Ibsen. 

 

À época de seu divórcio com Frida Uhl e de passar por um período de forte abalo emocional, em 1897 ele produz um livro em francês: Inferno. Data desse período seu rompimento com elementos do naturalismo e a influência do simbolismo e pré-expressionismo em sua obra. Ele é considerado um dos pioneiros do expressionismo europeu, especialmente por obras como A Dança da Morte (1900-1901), O Pelicano e A Sonata dos Espectros (ambas obras de 1907).  

 

Aspectos da espiritualidade, e poderia até se dizer do ocultismo, já surgem em O Pai, mas é em Rumo a Damasco (1898) que a ideia da revelação mística ganha força e revela laivos de certa perturbação mental no autor que seria, décadas após sua morte, classificada como esquizofrenia. Strindberg classifica Rumo a Damasco como seu “primeiro jogo de sonho”. Fato é que até 1905 ele esteve em comunicação com o ensaísta e ocultista dinamarquês Carl William Hansen, cujos interesses iam da astrologia à alquimia, da química ao espiritismo.