A derrocada do patriarcado.
Tenho estado às voltas com o século XIX há algum tempo: Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis; Casa de Bonecas – Parte 2, de Lucas Hnath; Casa de Bonecas Pocket, adaptação de Luci Collin; e O Pai, de August Strindberg. Posso dizer, ao dirigir todos estes espetáculos, que são atualíssimos e que estou ligando alguns pontos, já que O Pai foi escrito como uma resposta de Strindberg ao texto Casa de Bonecas, de Ibsen.
No século XIX, o patriarcado, que parecia forte, podia se tornar frágil quando o assunto era a paternidade. O Pai é uma peça sobre a derrocada de certezas, a mentira que desestrutura e a dúvida que se impõe. Pai e mãe protagonizam uma briga feroz pelo direito de educar a filha, a representação da geração futura. O alicerce social, fincado no exército, na ciência e na religião, é desestabilizado pela maneira como a mãe enfrenta o pai. A obra trata da luta pelo poder e de como eliminar o opositor usando mentiras. Nada mais atual nesta sociedade impregnada de fake news e de retrocesso conservador, que abalam o Brasil e o mundo.
O homem, detentor do poder familiar, é o pai, Adolf, capitão de cavalaria e cientista, ladeado pelo pastor, pelo médico e pelo soldado. As mulheres, a esposa Laura, a filha Bertha e a ama Margret, que poderiam simplesmente ser personagens submissas, manipuladas por Laura, formam uma força silenciosa, capaz de subjugar o capitão e influenciar o pastor e o médico. De nada vale a força masculina diante da dúvida que a esposa inculca no marido: será Adolf o pai de Bertha? A dúvida abala o pai, numa guerra sem vencedores e sem heróis. As personagens, envoltas num momento-limite – a guerra sexista pelo poder –, revelam-se inquietas, instigantes, atemporais, não moralistas e ambíguas. Adolf e Laura, com seus embates e desencontros, com suas verdades e mentiras, lutam desesperadamente para entender uma nova sociedade que estava nascendo, com o desenho de novos papéis sociais para homens e mulheres, um desenho que até hoje não está resolvido.